O Brasil dos viajantes

Um país exótico, simples e analfabeto emerge dos relatos dos estrangeiros que visitaram os trópicos no século 19

por Laurentino Gomes

No começo do século 19, o Brasil era o último grande pedaço habitado do planeta ainda inexplorado pelos europeus que não fossem portugueses. A África, a China e a Índia já eram bem conhecidas pelos ingleses, holandeses e espanhóis, devido às intensas relações comerciais estabelecidas desde o século 16. O mesmo acontecia com o restante do continente americano, incluindo Estados Unidos, Canadá e as colônias espanholas, que não impunham grandes restrições à entrada de estrangeiros. Havia, é claro, pontos de difícil acesso, como o Japão e a Oceania. Mas nada se comparava ao Brasil.

A proibição de entrada imposta pelos portugueses fazia da colônia um lugar misterioso aos olhos dos estrangeiros, graças aos rumores sobre as imensas riquezas minerais escondidas no subsolo e as infindáveis florestas tropicais repletas de plantas e animais exóticos e índios que ainda viviam na Idade da Pedra. Tudo isso mudaria rapidamente com a chegada da corte e a abertura dos portos. O resultado foi uma invasão estrangeira sem precedentes.

Em 1949, o pesquisador Rubens Borba de Moraes catalogou um total de 266 viajantes que haviam escrito sobre o povo, a geografia e as riquezas brasileiras. Desses, a grande maioria visitou o país nas décadas seguintes à abertura dos portos. Todos registraram suas impressões em livros, cartas e relatórios oficiais, o que tornou esse um dos períodos mais bem documentados da história brasileira. Essas obras incluem descrição de cidades, paisagens, tipos humanos, hábitos e costumes, inúmeras observações e muitas descobertas científicas. São relatos deslumbrados, de pessoas surpreendidas pela beleza de uma terra idílica, intocada e repleta de novidades. […]

Terra de abundância

Rose Marie de Freycinet viveu uma história de romance e aventura, dessas que só aparecem no cinema. Em 1817, tinha 25 anos e era casada com o oficial da Marinha francesa Louis Claude Desoulces de Freycinet (1779-1842). Foi quando soube que o marido acabara de receber o comando de uma missão que o levaria a ficar dois anos fora de casa. Inconformada com a notícia, Rose Marie tomou uma atitude surpreendente: cortou os cabelos, enfaixou os seios e, disfarçada de homem, embarcou clandestinamente no navio na véspera da partida. Ao chegar ao Rio de Janeiro, em dezembro do mesmo ano, achou tudo muito bonito, o clima agradável, apesar do verão escaldante, mas registrou no seu diário comentários devastadores para os portugueses e brasileiros. “Pena que um país tão lindo não seja colonizado por uma nação ativa e inteligente”, escreveu, referindo-se a Portugal. “Os brasileiros se destacam pela abundância, mais que pela elegância do serviço.”

Existem algumas imagens recorrentes nos relatos dos estrangeiros. A primeira é a de uma colônia preguiçosa e descuidada, sem vocação para o trabalho, viciada por mais de três séculos de produção extrativista. O inglês Thomas Lindley, que percorreu o litoral próximo a Porto Seguro, na Bahia, ficou surpreso ao constatar que a abundância de recursos naturais do Brasil não resultava em riqueza, desenvolvimento ou conforto material para os brasileiros. “Num país que, com o cultivo e a indústria, chegaria à fartura com as bênçãos excessivas da natureza, a maior parte do povo sobrevive em necessidade e pobreza, enquanto mesmo a minoria restante não conhece os desfrutes que fazem a vida desejável”, escreveu.

Outra imagem frequente é a do analfabetismo e da falta de cultura. “O Brasil não é lugar de literatura”, afirmou James Henderson. “Na verdade, sua total ausência é marcada pela proibição geral de livros e a falta dos mais elementares meios pelos quais seus habitantes possam tomar conhecimento do mundo e do que se passa nele. Os habitantes estão mergulhados em grande ignorância.”

Texto resumido da Revista Aventuras da História